As pessoas não deviam ter medo do fantasma do casarão, ele é bem mais confiável do que a maioria da cidade. Se bem que não tenho certeza se realmente converso com o John, ou as drogas ilícitas que uso fazem com que o veja e tenha papos filosóficos com o meu próprio subconsciente.
Estou saindo de casa, meu pai está vidrado no telejornal e minha mãe na cozinha lendo um livro enquanto espera a janta ficar pronta. Dou um tchau silencioso para ela que me lança um olhar triste sabendo que já não manda mais em mim.
Não que alguma vez tenham. Apesar de que meu pai ainda acredita que me controla, pobre coitado, não que eu esteja com dó, mas sabe como é, pessoas iludidas causam pena. E é isso que ele realmente é: um cara iludido digno de compaixão, mas não da minha.
Sinto o ar frio da noite, sempre que decido ir para a mansão abandonada da esquina o ar está do mesmo jeito, o céu estrelado e a noite agradável, mas ao mesmo tempo melancólica. Perfeita para que minha vontade seja subjugada por vícios.
Ao término das doze badaladas John aparece, olha-me com uma careta e senta do meu lado. Solta um suspiro pesado, eu o sigo e mordo o lábio.
-Seu coração tem tantos demônios que um dia você vai acabar morrendo - John comenta por fim, ele sempre usa frases parecidas para iniciar uma conversa.
-Assim como seus demônios fizeram com você? - peço, como sempre fazendo com que aquele ciclo vicioso continuasse, o de eu me drogar para vê-lo, para conversar a noite inteira até o raiar do dia e então quando ele se fosse, ir também e voltar quando precisasse desesperadamente de companhia, incrivelmente quase sempre em noites de lua cheia.
Porém tem algo de diferente hoje. Posso sentir.
-Sim - ele responde e pela primeira vez é direto o ponto. Eu viro para vê-lo, parece mais nítido do que nunca. Ignoro o fato e continuo a conversa. Falamos sobre vida, mas principalmente sobre morte. E então vejo que o sol já vai nascer.
-O sol está nascendo - sussurro - Daqui a pouco você some... - sinto algo pegar na minha mão. É a primeira vez que consigo tocar em John, meu coração bate forte. Ao menos o que acho ser um coração.
-Não dessa vez - ele sussurra - Seus demônios finalmente conseguiram.
-Mas me levaram até você, isso é assim tão ruim? - peço sem entender direito o que ele está falando, sem entender o real significado.
-Depende do ponto de vista. Para mim estar morto nunca foi ruim - e então ele me beija. E posso sentir o beijo. Eu sempre achei um clichê estar apaixonada por algo que não existia, mas agora eu sei que John é real. E que agora eu sou como ele.
E quando o significado me atinge, estou tão feliz para lamentar a minha morte que vejo tudo mais como o fim de um círculo vicioso e triste que me conduziu até os braços da morte e - ironicamente - do único que realmente amo.
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